O prato típico que realmente é a cara do Brasil!

Sabemos a partir de relatos de viajantes no período colonial e a partir de estudos atuais que, antes dos portugueses chegarem, cerca de mil povos indígenas viviam no território que conhecemos como Brasil.

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Na relação com os colonizadores, muitas etnias foram dizimadas ou sofreram um processo de aculturação. Ou seja, muito da complexidade das técnicas alimentares, da agricultura e modos de comer foi perdido neste período.

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Assim, compreendemos que a ligação entre a culinária indígena e a brasileira passam por uma troca de mão dupla entre os colonizadores e os povos originários. Na tentativa de catequizar e “civilizar”, os europeus passaram por um convívio intenso com essas populações, o que os deu espaço para introduzir alimentos e gostos para os indígenas e também para que estes hábitos alimentares, modos de cozinhar e sabores fossem ensinados para os conquistadores.

Para definirmos então a influência destes diversos grupos na gastronomia do que se chamou de Brasil, precisamos entender como a culinária brasileira se formou, para em seguida, observarmos quais elementos da prática alimentar indígena estão presentes.

Formação de um gosto, formação de uma nação

Quando pensamos em culinária tipicamente brasileira logo nos vem à mente o arroz com feijão, a feijoada, brigadeiro, pão de queijo, ou então o acarajé, vatapá e baião de dois. Porém, o que funda uma cozinha específica de uma região não são as suas receitas e ingredientes, mas também os modos de cozinhar, os sabores, como os pratos são distribuídos e como se come.

Em um país como o nosso vemos uma diversidade em todos esses quesitos expostos. Portanto, definir o que é uma gastronomia brasileira passa por mapear e unir as diferentes expressões culinárias inseridas no seu território.

Há um preconceito baseado na ideia de uma cozinha típica brasileira de que o que comemos é um resultado de uma contribuição igual dos indígenas, negros e europeus. Essa concepção, contudo, esconde a complexidade dessas relações, o poder do que é permitido ou não para a alimentação, a posição de cada grupo social na estrutura e como se formou o que é o Brasil.

Para o autor Câmara Cascudo, a gastronomia brasileira foi inventada. Ela se expressa a partir de uma seleção de itens, técnicas culinárias, modos de comer e um gosto específico que foi construído entre o século XVI e XVIII. Nesta teoria, a alimentação foi parte fundamental para fundarmos o que chamamos de nação brasileira. Esse esforço de unificação gastronômica teve como característica expor as influências de diversos grupos em sua composição. É nesse cenário que a cultura indígena é uma contribuição importante para compreendermos a cozinha brasileira.

Antropofagia na mesa

A palavra utilizada como título, a antropofagia, em sua tradução literal significa se alimentar de outros humanos. Já em um contexto artístico e político está ligado a um movimento de se apropriar de diferentes culturas e transformá-las. Em um sentido gastronômico podemos compreender que a culinária tanto indígena quanto europeia passaram por um processo antropofágico para se tornarem o que conhecemos como gastronomia brasileira.

Os estudos do sociólogo Carlos Alberto Dória debatem sobre essa complexa influência. Analisando registros de aldeias, sua estruturação, agricultura e moradias, o autor observa que dentre os povos originários do Brasil, havia uma grande criatividade culinária que se perdeu. Havia como cultivo dezenas de variedades de mandiocas, batata doce e frutas como cacau, banana, abiu, cupuaçu e caju. Toda essa grande variedade frequentemente é vista como recursos “naturais”. Porém, o que Dória argumenta é que estes alimentos são na realidade resultado de uma seleção artificial promovida pelas técnicas de agricultura destes povos.

Mandioca: item tipicamente brasileiro

Diante desta grande riqueza de alimentos, o contato dos europeus com os indígenas quanto aos hábitos alimentares foi ambíguo. Por um lado, os portugueses possuíam repulsa ao consumo de formigas, ingrediente comum no cardápio indígena. Já por outro, assimilaram em sua dieta a mandioca, as diversas frutas, o milho e as técnicas de transformação de alimentos.

A mandioca é um dos itens que gerou mais modos de preparo e costumes alimentares na nossa cozinha contemporânea. É a partir dela que se faz a farinha de mandioca que é utilizada em farofas. Cozinhando a farinha em uma panela acima do fogo, os povos indígenas criaram uma das receitas mais tipicamente brasileiras. Também é pontuado pelo antropólogo Câmara Cascudo que o churrasco que fazemos hoje é uma técnica indígena em que se colocavam carnes em um espeto de pau que era colocado no chão junto ao fogo.

Veja também: Acarajé, Buchada de bode e Tacacá: Conheça a história do Brasil através dessas Receitas

Portanto, precisamos considerar que a contribuição indígena na nossa alimentação está para além do uso de um ou outro ingrediente, mas também passa pela incorporação de técnicas utilizadas por esses povos, um gosto específico, o cultivo dos alimentos. Para que essa marca continue presente é necessário reconhecer que alimentos cotidianos são resultados de um esforço e criação dos povos originários, sendo tradições centenárias que reverberam até hoje.

Sobre o Autor:
Gabriel Rabello é cientista social e possui mestrado em Sociologia, ambos pela Universidade Federal Fluminense

Fontes:
Formação da culinária brasileira. Carlos Alberto Dória
História da Alimentação no Brasil. Câmara Cascudo
https://periodicos.furg.br/reis/article/view/9805
https://www.todamateria.com.br/movimento-antropofagico/
https://origemdascoisas.com.br/origem-da-farofa/

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